O Portal Mais Peruíbe entrevistaram o compositor, músico e produtor musical Otto Hartung, fundador e incentivador de muitas das melhores bandas que já tivemos o privilégio de ver e ouvir em Peruíbe.
Essa entrevista pretende ser a inaugural de uma série de matérias sobre a enorme abrangência e qualidade dos músicos de Peruíbe.
Aproveitem.
–QUANTOS ANOS DE PALCO, OTTO? CONTA UM POUCO DA SUA TRAJETÓRIA.
Aproximadamente 25 anos de palco, resumindo, iniciei meu contato com a música através da gaita de boca, certa vez quando tinha uns 10 anos, meu pai pegou eu e minha irmã pelas mãos e fomos na Casa Manon em SP, uma loja de instrumentos musicais bem na rua 24 de dezembro, lá ele escolheu a maior gaita que viu na vitrine, uma Hohner cromática alemã de 64 vozes, já em casa fiquei querendo pegar essa gaita pra tocar porque assistia ele tocando a noite pra gente, um belo dia ele chegou do trabalho com uma gaita de Blues/Folk no bolso, pôs em minhas mãos e falou “essa é sua meu filho”, foi ai que tudo começou. Minha primeira apresentação foi na escola com o Guitarrista Eduardo Indio (Brasil 2000 FM), Rafael na Bateria e eu na Gaita, era um instrumental , a próxima foi em Peruíbe com a Banda “Mont Rock Blues Band “ que reuniu os músicos: Umberto Tamutis (guitarra), Tiago Monteiro (Baixo/guitarra – Pão de Maça), Remo Eckert (Bateria, Pousada Wald Haus), Marshal (Guitarra base), Chão de Pedra (vocal), Marcos Valtuille (baixo) e eu na gaita. Depois disso vieram varias jans com amigos, até que em 1996 eu estava na serigrafia do Umberto Tamutis com Marcão e Adalberto, quando recebi uma ligação do Jiboia (Wagner Xavier) que dizia: “Otto, monta uma banda ai e vem tocar aqui no IBAMA em Iguape, é a semana do meio ambiente e vamos fechar este evento”, eu desliguei telefone meio assustado e falei com o pessoal: “O Jiboia ta doido, falou pra gente montar uma banda e ir pra Iguape tocar na festa do IBAMA” , todos disseram “Eu topo, vamos nessa” (risos). Fiquei mais assustado ainda, mas em duas semanas fechamos o repertório de blues e fomos pra lá, a Banda foi
nomeada de Cachorrada do Blues bem na hora que entramos na Avenida Ademar de Barros em Iguape (risos), alguém falou: “Qual vai ser o nome da Banda? ” ai fizemos uma eleição até o final da avenida e pronto “Cachorrada do Blues”, deu tudo certo, foi sucesso total essa primeira apresentação que era eu (gaita, violão/guitarra base e voz), Umberto Tamutis (guitarra e voz) Marcos Valtuille (baixo), André Ferrari (sax) e Adalberto (teclado no modo bateria, pois não tínhamos bateria, ele tocava numa mesinha de telefone). Depois disso, vieram outros integrantes ao longo do tempo, irmãos como: Luiz Adriano (bateria), Junior (baixo), o menino Leonardo Di Fiori “Léo” (guitarra e baixo, um ser iluminado que passou em nossas vidas), Marcos Belama (Sax), Ricardo Gringo (Bateria) e muitos outros convidados. Foi a Banda mais significativa nessa história, tocamos em locais como: Vale do Ribeira, Litoral Sul, Vila Madalena em SP, Expo Surf – SP, Virada Cultural Paulista e o inesquecível show com o Blues Man Texano Esteve James (organizado por Umberto) no Centro de Convenções, foram muitos shows, não esquecendo do Cannil clube Video Bar (Peruibe), que por muitos anos virou a casa dessa Cachorrada toda sexta-feira (muitos risos) tudo a ver (Cannil e Cachorrada), o Marcelo Maringeli (Cannil/Lon e assistentes) foi um grande incentivador da banda.
Ao mesmo tempo estava rolando a Banda Versatil, que tocava Pop Rock e muitas composições próprias, incluindo uma de minha autoria “América do Sul”, a banda tem um CD gravado, infelizmente acabou, mas foi um período muito rico musicalmente e foi um aprendizado para todos participantes, os amigos: Miltinho (baixo e vocal), Umberto Tamutis (Guitarra solo), Neguinho (Guitarra Base, e que base ein?), André Ferrari (Sax e vocal), Tatu (Percussão), Marquinhos ( Bateria), Marcos Valtuille (Percussão), a saudosa Tânia (empresaria) e muitos convidados, enfim, tempos valiosos.
Dai pra frente vieram outros projetos interessantes, como a “Banda Nego-Aço” (Black Music), que participaram: Nilson Lima, Miltinho, Luiz Adriano, Adalberto, Buxixo, Tuts, Juliano, Kabelo, Felipe e convidados), “Os Hartungs” (Blues, eu e meu sobrinho Felipe Hartung), depois veio o projeto “Otto e Kikão” (Pop Nacional, eu, meu filho Henrique Hartung e convidados) e o projeto mais recente é “Otto e os Praianos” (Musicas autorais, Eu, Henrique Hartung, Nilson Lima e Luiz Adriano) são músicas no estilo regional, que reflete a cultura da nossa região e seu ambiente natural, com protestos ecológicos e alguns aspectos da cultura caiçara.
– E A INFLUÊNCIA DO BLUES E DA MÚSICA NEGRA AMERICANA NA SUA MÚSICA? QUEM SÃO SEUS MESTRES?
Tudo começou com aquela gaita que meu pai me deu, aprendi alguns acordes no violão e fiz um suporte de arame com elásticos para prender a gaita na boca, tentava tocar gaita e violão juntos e ficava imitando o Neil Young, Bob Dylan e outros artistas Folk, certa noite sintonizei numa rádio FM em meu rádio relógio, um programa de blues que se chamava “Blues Night”, foi quando escutei pela primeira vez Buddy Guy e Junior Wells, em seguida Little Walter, Sonny Boy Willianson, Carey Bell, James Cotton, Jimmy Reed, Howlin’ Wolf, B.B. King, Elmore James, Freddie King e muitos outros, acho que sempre estive ligado a música regional, cultura local, me atrai muito a música e a cultura de outros países também, na outra semana chamei meu pai e falei “Pai, essas são as músicas que falei”, meu pai disse “Isso e blues meu filho e eu sei tocar”, (risos) a minha alegria foi tanta que não via a hora de chegar o dia seguinte para tocar com ele, enfim, sentamos no sofá e nos divertimos muito tocando juntos, isso aconteceu por várias vezes e são lembranças valiosas que tenho com meu mestre pai, e ele é o meu maior mestre e um dia ainda vamos nos ver novamente, ele ainda ensinou meu filho, meu sobrinho e sobrinha a tocarem violão, que Deus o tenha com muito amor.
– E NO BRASIL? QUEM VOCÊ OUVE SEMPRE E QUEM TE INFLUENCIA DENTRE OS NOMES DA MÚSICA BRASILEIRA?
Eu escuto muita coisa nacional com estilo mais tradicional, regional, musicas que me influenciam no trabalho autoral, artistas como: Almir Sater, Renato Teixeira, Luiz Perequê, Katia Teixeira, Amauri Falabella, Zé Ramalho, Xangai, Elomar, Dercio Marques, mas também MPB geral, Pop Rock geral, muito Folk nacional e internacional, Blues é claro, Black Music, enfim, acho que um musico tem que escutar de tudo, pode até não gostar de tal estilo, mas tem que escutar pelo menos uma vez na vida, isso é importante para formação do artista, conhecer os padrões.
– SOBRE A LENDÁRIA CACHORRADA DO BLUES – QUAL VOCÊ CONSIDERA A MELHOR FASE DA CACHORRADA? E VOCÊS NÃO PENSAM NUMA APRESENTAÇÃO DE REVIVAL?
A melhor fase da Cachorrada do Blues, pra mim, foi desde o dia que começou até o dia que terminou, foram muitas músicas, viagens, aprendizados, pessoas, alegrias, tristezas, amigos, irmãos, família, um pacote completo, uma vivencia única que não se compra e não tem preço. Quanto a um Revival, acho possível, acho que só nos separamos devido à distância dos integrantes e isso está relacionado ao tempo disponível de cada um também, quem sabe um dia, pois é só cada um plugar seu instrumento e sair tocando (risos), quase isso.
– COMO É O SEU PROCESSO DE COMPOSIÇÃO. O QUE INSPIRA O OTTO?
Ao contrário de muitos compositores, faço primeiro a música que nasce na minha cabeça as vezes quando estou dirigindo na estrada ou tranquilo em algum lugar andando sozinho, mas a maioria delas foi dirigindo um veículo sozinho mesmo, uma coisa muito doida, depois eu faço uma letra com base na música criada. O que me inspira são as áreas naturais em que convivo, cultura regional, coisas de uma vida simples, nua e crua, sem demagogias, sistemas e recursos da nova
sociedade, apenas o ser humano e o ambiente, cultura, vivência, arte, música, bicho, mato, agua, praia, serra, rio e todos os fatores que envolvem o povo e a natureza, eu vivo isso todos os dias há mais de 30 anos, trabalhando na Juréia tive a oportunidade e tempo suficiente para entender muita coisa sobre a região, foram longas caminhadas e estadias em áreas que ninguém nunca imaginaria conhecer ou entender, tive bons professores e fiz muitos amigos, o povo da floresta sabe de tudo (risos), sou muito grato a eles, são meus eternos irmãos.
– O QUE VOCÊ ACHA DO ATUAL CENÁRIO MUSICAL, DE BANDAS A MPB. O QUE VOCÊ OUVE?
O mercado musical mudou bastante e isso é natural, só não imaginávamos que iria mudar pra pior, sempre acreditamos numa evolução positiva, mas a música contemporânea está aí sem conteúdo pra quem quiser ouvir, o que vale agora é a banalidade com uma pitada de retrocesso intelectual mais umas gotinhas involução, mas a liberdade de expressão tem que ser garantida, com respeito é claro. Os jovens de hoje que tem um pouco de formação cultural estão escutando músicas da nossa época, isso é falta de opção de boa música mesmo, mas o mercado da nova MPB vem crescendo e tem músicos bons com ótimos trabalhos, o mais difícil são produtoras investir neles, estão preocupados com aquela música sem conteúdo. Mas como já disse eu ouço de tudo, mas eu absorvo só aquilo que me fortalece (risos) (Grayffindor), aquilo que vai fazer parte da minha formação e me traz alegria ou qualquer outro sentimento bom.
–SOBRE A FORMAÇÃO DO SHOW ATUAL, “OTTO E KIKÃO”. KIKÃO É SEU FILHO, NÃO É? COMO É ESSA EXPERIÊNCIA FAMILIAR? E AGORA TEM PERCUSSIONISTA?
Na verdade essa formação ocorreu antes de Otto e os Praianos, depois que eu e meu sobrinho Felipe Hartung paramos com o projeto de Blues (Os Hartungs), comecei a tirar músicas pop/nacional para atender uns amigos comerciantes, fazendo um duo com Luiz Adriano na percussão, depois demos um tempo, de repente me deparei com um guitarrista/violonista debaixo do meu próprio teto, sim era meu filho me falando “Ai pai, se fechar uns shows podemos tocar juntos, se rolar uma grana eu to dentro”, bom, ai começou tudo de novo (gargalhadas) e desta vez com meu filho Henrique Hartung (Kikão) , é muito bom tocar com ele, tem uma facilidade de fazer arranjos, criatividade de improviso e muito habilidoso, sem contar o sentimento de se tocar com um filho, rola uma sintonia muito boa nos shows, o Luiz Adriano voltou a tocar percussão com a gente, desde que a casa pague para 03 músicos (risos), ta difícil.
– COM RELAÇÃO AO REPERTÓRIO AUTORAL, FALE UM POUCO SOBRE AS MÚSICAS DESSE REPERTÓRIO.
Eu sempre fui ligado a cultura regional, meus pais são de Minas e Interior de SP, sem contar a veia Nordestina dos avós, comecei com o Folk e Blues, depois juntou minha vivência na floresta, então essa coisa já vinha brotando dentro de mim e eu nem percebi, já havia composto a música “América do Sul” com a Banda Versátil e depois a “Serra do Praia” que compus sozinho, daí pra frente começou a sair música de dentro de mim (risos), comecei a entender o que estava acontecendo e vi que não tinha jeito de relutar, eu tinha que por pra fora, isso foi o resultado de tudo que eu vivi na Juréia e na música, na verdade eu sempre morei no mato e meu pai todo final de semana levava a gente pra passear no mato, então não teve jeito (risos). Tem musicas compostas para locais e algumas citam até pessoas, histórias que aconteceram, música para o padroeiro da Barra do Una e muitos outros temas, quando eu toco no Guaraú o pessoal vem no final do show e fala que sabe muito bem o que eu falei nas músicas, as pessoas se identificam e isso me faz saber que o resultado está sendo bom.
–VAI SAIR ALGUM MATERIAL DESSA FASE? CD, DVD? QUAIS OS PLANOS?
Essa fase veio pra ficar, é original, posso fazer outros estilos quando preciso, a música autoral acaba sendo a essência da pessoa. Quanto a registros, montei um Home Studio que está quase no ponto, são equipamentos simples ainda, mas já tem condições de gravação e mixagem, já fiz 02 cursos de mixagem e estudo diariamente, pois em breve quero manter essa atividade, vamos começar gravando essas músicas autorais para publicação através de Streaming, se der certo e depois disso podemos pensar em outro formato de mídia.
Meus amigos, é importante vocês fazerem aquilo que te deixam felizes na vida, as vezes encontro amigos ou conhecidos que sempre veem com uma pergunta clássica: “E ai Otto, você ainda está tocando?” (risos) com um tom meio estranho, acho que considerando na cabeça deles que eu já estou velho e ainda estou tocando, não entendo muito bem, mas na hora eu brinco e falo “Não, parei ontem a noite, mas amanhã vou tocar de novo”. Acho que tudo que fazemos na vida não está ligado a idade, desde que você consiga fazer, a hora que tivermos limitações físicas ou psíquicas então é hora de parar, as pessoas são ligadas a conceitos estabelecidos no período do Império, deixam de viver e fazer as coisas porque não conseguem se livrar dessas amarras que elas criam e acabam vivendo infelizes, meus amigos, sugiro que façam tudo aquilo que seja moral e os deixem felizes, independente do que as outras pessoas irão achar, não se preocupe elas irão evoluir um dia, enquanto isso sejam felizes.
Para as pessoas que não viram seus nomes nessa história, não é nada pessoal, essa história é um resumo da minha trajetória musical e pode conter falhas, para fazer a história na íntegra seria necessário um livro, obrigado a todos pela compreensão.
Entrevista: Sidney Castro KBLo Apoio: peruibe.com.br | Editoria Livre | perui.be | kblo.com.br